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Consciência negra


Roberto Seabra - 20/11/2017


Camilo (a história é real, mas o nome é fictício) fumava calmamente seu cigarro, depois de jantar em um restaurante self-service na Asa Norte. Fumava e caminhava, para fazer o quilo, e também gastando hora para retornar ao plantão.

Ilustração: Cauê Mathias

Duas moças que estavam à sua frente pareciam incomodadas com a presença dele. Camilo suspeitou da suspeita e tratou de desacelerar sua caminhada, para não parecer que estivesse perseguindo as duas.

A desconfiança das moças não tinha uma explicação racional. Ele não estava em atitude suspeita, como frisa o manual da polícia, e muito menos falando ou fazendo alguma coisa que pudesse agredir ou amedrontar alguém. Camilo era apenas mais um homem fumando seu cigarro e esperando o momento certo de voltar para o banco, onde trabalha na área de informática.

Mas Camilo é diferente de outros homens por um detalhe. Nascido na África, naturalizou-se brasileiro. Estudou e passou em um concurso público e hoje tem mulher e filhos brasileiros. Como 98% dos africanos, Camilo é negro, e isso parece fazer a diferença para algumas pessoas.

As duas moças aceleraram o passo, alcançaram um homem, branco, que estava no estacionamento, cochicharam alguma coisa em seu ouvido, olharam na direção de Camilo, entraram no carro e foram embora.

Camilo tem experiência nesse tipo de situação. Sabia o que as moças pensavam e o que fariam a seguir. Mesmo assim terminou calmamente de fumar seu cigarro, enquanto se dirigia para o trabalho.

Não passou um minuto e apareceu um carro da polícia. Dois PMs desceram do camburão e abordaram Camilo. Pediram documento, perguntaram o que está fazendo ali etc. Tentaram revistá-lo, mas Camilo não se deixou submeter. Mostrou seu crachá funcional e em seguida passou uma descompostura nos dois policiais. Então um homem negro não pode passear de noite pela cidade, que logo é confundido com bandido?

Estava em atitude suspeita? Não. Havia feito algo errado? Também não. O que tava pegando então? Os policiais deram azar de trombar de frente com um cidadão brasileiro, mesmo tendo nascido na África. Talvez fosse outro, um humilde trabalhador, com menos conhecimento, sem o orgulho da cor, quem sabe teriam conseguido intimidar, prender, ou quem sabe coisa pior. Imaginaram que seria mais uma abordagem de mais um suspeito, suspeito só pela cor. Se deram mal.

Camilo veio de muito longe, do outro lado do Atlântico, para nos dar uma lição de moral.

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