Tempo quente
Beto Seabra - 10/02/23
O rapaz precisa fugir do calor que abrasa a cidade e entorpece as ideias. Lembra que a cinco minutos de carro tem um parque nacional, com trilhas que percorrem as matas galerias e entram pelo cerrado. E lá tem uma gigantesca piscina de água corrente e mineral, boa para refrescar e exercitar o corpo. Água de beber, camará!, disse o homem aos amigos músicos que passeavam pelo mesmo cerrado, há quase 70 anos.
Quando o automóvel se aproxima da entrada do parque, ele sente a temperatura abrandar. O tempo quente da cidade mudou em segundos, parece mágica, mas é apenas a natureza fazendo o seu trabalho diário. Os prédios espelhados ficam para trás e as árvores sabem filtrar o calor e entregar sombra e ar frescos aos visitantes.
Ele e a namorada pagam os ingressos e ela diz que um idoso rico e motorizado pode entrar de graça no Parque Nacional de Brasília, mas um jovem pobre da periferia não pode frequentar as piscinas da Água Mineral porque a entrada de 16 reais é cara para ele, que ainda precisa gastar com dois ônibus para chegar até ali. O rapaz apenas confirma com a cabeça.
Piscina velha da Água Mineral, Parque Nacional de Brasília - Foto: EBC
E realmente ele nota que o Parque Nacional naquela manhã de quinta-feira é frequentado apenas por gente branca de classe média. E como nasceu na cidade, explica para a namorada que no final de semana as coisas se invertem: as piscinas ficam mais coloridas, as filas de carros para entrar se estendem por quilômetros e os moradores do Distrito Federal que não podem ir ali diariamente aparecem aos sábados e domingos equipados com isopores, onde levam refrigerantes e comidinhas, menos bebidas alcoólicas e garrafas de vidro. Aquela explicação não acalma a consciência dela, mas a faz desistir de estender a conversa e aproveitar o parque.
Ele lê no celular para ela que naquele parque existem espécimes de lobo-guará, tatu, jaguatirica, porco-do-mato e variedades de macacos. E muitas aves, completa. "Mas o humano predomina", diz ela, entre brincalhona e o seu jeito de sempre ser ou parecer crítica. "Até cinco horas da tarde", ele responde, e essa frase a faz pensar como deve ficar a floresta ao final do dia, sem pessoas e longe do barulho da rodovia.
Quando o casal volta das trilhas e se prepara para entrar na piscina de água fria, os dois reparam em uns macaquinhos se aproximando de uma toalha estendida na grama, onde uma família deixou os apetrechos enquanto usam a piscina. A moça fica encantada com a esperteza de um deles, que abre um pote de plástico, cheira o que tem dentro e pega o que parece ser um pedaço de queijo. O que a impressiona é que o macaquinho coloca o pote no mesmo lugar em que estava antes, apenas sem a tampa, deixada pelo chão.
"Os donos vão levar um susto na hora do lanche", diz o rapaz. "Eles, os macaquinhos, é que são os donos daqui", a moça diz. Mais uma vez ele tem que dar razão a ela.
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