O segundo Riocentro
Ilustração: Cacá Soares Texto: Beto Seabra
Em 30 de abril de 1981 eu tinha 16 anos quando a extrema direita do regime militar planejou o atentado do Riocentro. Nos anos seguintes entenderia melhor o que aconteceu naquela noite, mas o que vi e senti vendo os telejornais, lendo os diários que chegavam na casa do meu avô ou ouvindo o que os mais velhos conversavam foi a marca inicial sobre o caso e que permanece até hoje na minha memória.
Enquanto milhares de trabalhadores festejavam o 1º de Maio na presença de artistas da Música Popular Brasileira, terroristas ligados ao Exército pretendiam explodir bombas no local e atribuir o incidente à extrema esquerda. Com isso, imaginavam frear a abertura política e fechar novamente o regime. O desfecho, como sabemos, foi péssimo para a extrema-direita. A bomba explodiu no colo de um dos terroristas, que morreu no local, enquanto o outro ficou gravemente ferido. O governo tentou abafar o caso, mas nas semanas seguintes a opinião pública ficou sabendo que uma parcela do governo militar, com a conivência do governo federal, apoiava atos violentos para tentar barrar o crescimento da oposição.
Eu que já gostava de MPB desde aquele tempo, senti um certo orgulho em saber que os artistas que eu admirava estavam do lado certo: Beth Carvalho, Chico Buarque, Alceu Valença, Gal Costa, João Nogueira e Clara Nunes, entre outros, subiram ao palco do Riocentro naquele 30 de abril. Se o plano da extrema-direita tivesse dado certo, a bomba que explodiu no colo dos terroristas teria explodido a poucos metros de onde estavam as estrelas da música. Seria uma carnificina, pois mais de 20 mil pessoas assistiam ao show.
41 anos depois, a extrema-direita tenta novamente impedir que partidos de oposição retornem ao poder. Não aceitam o resultado das eleições e alegam um fantasioso “plano do comunismo internacional para dominar o Brasil”, e com isso impedir que o presidente Lula tome posse em 1º de janeiro de 2023. Desta vez, a bomba não explodiu no colo dos terroristas, mas abriu um buraco gigantesco na muralha do quartel general onde se abrigam aqueles que se autodenominam patriotas, mas que são apenas idiotas manobrados por um punhado de políticos, militares de altas patentes e empresários inescrupulosos, que se serviram do Brasil nos últimos anos para ganhar dinheiro e acumular poder.
Depois do caso Riocentro, a oposição cresceu, ganhou as eleições estaduais em 1982, colocou nas ruas o movimento pelas Diretas Já em 1984 e venceu as eleições indiretas no Colégio Eleitoral em 1985, elegendo Tancredo Neves. Sabemos que nem tudo deu certo, que a nossa democracia andou de forma tortuosa, mas em 1988 ganhamos uma Constituição Cidadã, que mesmo com todos os remendos ainda é um diploma legal avançado, ao impedir que os extremistas da direita avancem sobre o Congresso Nacional e o Poder Judiciário para sacramentar o mito político deles.
A Democracia, grafada aqui com inicial maiúscula, não pode conviver com minorias extremistas que não aceitam decisões majoritárias e muito menos com maiorias circunstanciais que tentam calar as minorias que representam parcelas históricas da sociedade brasileira. A bomba que explodiu em 30 de abril de 1981 e a que foi desarmada neste 24 de dezembro de 2022 fazem parte da mesma e sinistra história, grafada com ‘h’ minúsculo. E as duas vésperas em que os atos aconteceram: a primeira do Dia do Trabalhador e a segunda de Natal, não são apenas coincidências. Mostram que os fascistas, sejam de qual país forem, odeiam o povo e são capazes de passar por cima dos cadáveres de milhares de brasileiros e brasileiras para permanecerem no poder.
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