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Livro mostra evolução de pandemias em ritmo de romance policial


Mauro Lando - 30/06/21


"The subject of animal disease and the subject of human disease are, as we’ll see, strands of one braided cord".


A questão das doenças animais e a questão das doenças humanas, nos adverte David Quammen logo na primeira página de seu livro, são, como veremos, fios de uma mesma corda trançada.


“Chamar Quammen de um dos melhores autores atuais de ciência”, como bem nota Hampton Sides, historiador best-seller e editor da revista Outside, “é diminui-lo. Quammen é um de nossos melhores escritores, ponto.”



Na verdade seu talento especial reside em aliar seu conhecimento de ciência, sua curiosidade de detetive com sua maestria como escritor, para nos descrever uma pesquisa científica como se fosse um suspense policial. Através das 622 páginas de seu “Spillover”, recentemente lançado no Brasil como “Contágio” pela Companhia das Letras, ele nos leva de Brisbane, na Austrália, onde em 1994 apareceu pela primeira vez o vírus Hendra, atacando primeiro cavalos, até as selvas da Malásia, do Sudão, do Zaire, em busca da origem das zoonoses, doenças que passam de animais a humanos e que viriam a matar mais de 30 milhões de pessoas desde 1981, até a época quando o livro foi escrito, 2013, ou seja antes do aparecimento da Covid 19. Esse é o interesse fundamental do livro, seu valor premonitório: Quammen praticamente previu a erupção do H1N1 e do SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid 19.


Ele explica porque foi possível, com intensas campanhas de vacinação de abrangência planetária, erradicar a pólio e a varíola, mas não a dengue ou a febre amarela. É porque os agentes patogênicos das primeiras duas não são zoonoses, só podem viver no ser humano, enquanto que os das outras duas e mais uma dúzia de doenças fatais e não fatais, são zoonoses, podem “se esconder” em animais e ir passando por mutações, até aparecer a oportunidade de saltar para um ser humano.


Mas por que isso tudo, dengue, raiva, Ebola, gripe espanhola, e tantas outras só apareceram agora, no século XX? Aqui entra a parte mais fascinante da pesquisa: todas as zoonoses passaram de animais a humanos por causa da destruição ou invasão de seu habitat natural.


“As influenzas saltam de aves selvagens para aves domésticas e depois para as pessoas, às vezes após uma parada de mutação em porcos. Originalmente, o sarampo saltou para nós de ovelhas e cabras domesticadas. O HIV-1 saltou dos chimpanzés para nós. Portanto, há uma certa diversidade de origens. Mas uma grande proporção de todos os novos assustadores vírus que mencionei até agora, assim como de outros que não mencionei, vem saltando de morcegos para nós”, explica o autor.


Aprendemos que um em cada quatro mamíferos é um morcego e que cada espécie de morcego carrega um vírus ao qual ele é imune. Quando as florestas onde eles vivem são invadidas, seja para corte de árvores, agricultura ou mais comumente para expansão urbana, o morcego precisa ir cada vez mais longe para buscar as frutas ou insetos de que vive. Mas logo aprendem que em vez de voar longas distâncias a cada dia, aqueles mesmos invasores que derrubaram sua floresta lhes oferecem comida farta, variada e de fácil alcance em sacos plásticos que educadamente colocam à sua disposição de noite, nas calçadas.


Num dos episódios mais fascinantes do livro, Quammen e um time de biólogos se transformam em verdadeiros detetives, e vão para a Malásia investigar a origem do vírus Nipah, que atacava as criações de porcos. Depois de semanas de pesquisa acabam chegando a uma aldeia onde parecia ter havido um foco. Examinam exaustivamente a população local, e um fato singular lhes chama a atenção: a infecção se dava mais em crianças e jovens adolescentes. Mas prioritariamente meninos. Porque mais em meninos do que em meninas? Interrogando todos por seus hábitos, viram que os meninos costumavam subir em árvores para colher jambo. Estava resolvida a charada: os morcegos bicavam as frutas deixando nelas sua saliva, que infectava os meninos. Em seguida identificaram uma pequena criação doméstica de porcos, num cercado bem debaixo de um jambeiro. Fecha-se o círculo, os porcos comiam os frutos que caiam ao solo, infectados pela saliva dos morcegos.


Quammen não tem uma solução na manga para um problema universal, decorrente da expansão desordenada da nossa chamada “civilização” – mas só pelo fato de identificar a origem das zoonoses, já nos presta um imenso serviço. A causa não é “natural”. Somos nós mesmos.

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