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Colônia de férias

Roberto Seabra - 29/07/21


O frio de julho me faz lembrar o de décadas atrás quando, aos 12 anos, a idade mítica, e entusiasmado com o fim do semestre, sou levado a participar de uma colônia de férias organizada pelo governo.

Lembro quando o ônibus entrou na quadra bem cedo para nos levar para o passeio do dia. Eu não queria ir, mas os amigos todos iriam e me deixei levar. Surge na memória um campo de futebol gigantesco com dezenas de moleques correndo atrás de uma única bola, eu perdido sem conseguir participar da brincadeira, ansiando pela minha casa, meu bloco, minha quadra, o equivalente brasiliense à minha rua.


Depois de duas horas de balbúrdia, uma merenda, ou um lanche, como já nos acostumávamos a dizer, pão com mortadela e refrigerante. Sempre igual. Depois mais duas horas de suplício, até que o ônibus nos levasse de volta para casa. No dia seguinte a mesma coisa, mudava só o lugar, até que a semana acabou e no domingo eu disse que não iria mais, chega, troço chato aquela tal colônia de férias, mil vezes melhor jogar bola no campinho, brincar de polícia e ladrão valendo a quadra toda, disputar figurinhas no bafo e tantas outras coisas.


Era perigoso deixar as crianças e os adolescentes à toa? Por que não podíamos desfrutar de nossas férias livremente?


A verdade é que era preciso manter a disciplina até mesmo nas férias. E, ao contrário do semestre letivo, onde a hora cívica era um dia por semana – bandeira hasteada e Hino Nacional! – na colônia o martírio era todo dia, lavagem cerebral feita de forma lenta e gradual.



Imagem: Arquivo da PMDF


Talvez o objetivo fosse nos impressionar com a disciplina militar, a limpeza e a ordem dos quartéis, a organização das tropas, contrária à anarquia infanto-juvenil da vida nas ruas. Contemporânea à colônia de férias surgiu a campanha “povo limpo, é povo desenvolvido”, tentando mostrar que era isso que nos faltava para sermos de “primeiro mundo”, e não o fim da pobreza ou da fome que grassavam, ou escolas melhores e professores bem pagos.


Quem sabe tentavam nos equiparar aos norte-americanos com seus acampamentos de verão, algo entre o cívico e o divertido, mas também pretensamente disciplinador e cristão, digo pretensamente, ou será que eles nunca leram Lolita? Claro que não, ou saberiam que tais acampamentos servem para tudo, menos para educar alguém.


E havia ainda o péssimo hábito de furarem nossas bolas de futebol, quando nos pegavam jogando nos amplos gramados plantados de Brasília. Quadras esportivas não havia. Teatro e bibliotecas, muito menos. Mas na cidade-maquete, linda e perfeita, a grama verde copiada do vizinho não poderia ser maculada pelos peladeiros metidos a pelés e tostões.


Uma Kombi do Departamento de Parques e Jardins, o temível DPJ, chegava sorrateira e aguardava escondida até que a pelota fosse chutada para longe. Então aparecia um servidor público, pago pelo governo para furá-las. Essa era a função diária dele: exterminar as bolas de quem se atravesse a usar o gramado como campo de futebol. Em seguida vinha a equipe e desmontava as balizas tortas feitas com muito esforço a partir de restos de madeira achados em canteiros de obras.


Apelidados pela molecada de “graminhas”, os servidores do DPJ deviam ter vergonha daquela tarefa.


Será que não viam que aqueles espaços precários, fabricados por nós mesmos para a nossa diversão, e que davam vida à cidade recém-construída, eram muito melhores que as colônias de férias que tentavam nos impor? Com o tempo a ficha deles caiu, pois as colônias de férias acabaram por falta de interesse e a molecada pode voltar a usufruir as férias em tempo integral, para desespero dos graminhas.

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