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As ‘artivistas’ da ponta da Asa Norte

Beto Seabra - 21/03/2023



Roda de conversa das mulheres na Feira da Pontanorte


Foi o escritor russo Tolstoi que escreveu que se você quer ser universal, comece por pintar a tua aldeia. Décadas depois, o poeta português Fernando Pessoa escreveu os versos: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.


Enquanto o primeiro exaltou a arte que olha primeiro para aquilo que ninguém olha, para assim ser vista de forma universal, o segundo reforçou essa visão tolstoniana, ao lembrar que aquilo que nos é mais próximo é mais belo, justamente por estar perto da gente, o que permite, portanto, que olhemos melhor para aquilo e com um olhar que é só nosso.


Sábado de manhã ganhei duas horas da minha vida vendo e ouvindo mulheres que atuam na ponta da Asa Norte, a chamada Pontanorte, uma região de Brasília que está se tornando uma espécie de aldeia gaulesa do Distrito Federal. Lá funciona a Feira da Pontanorte, que reúne agricultores ligados ao MST, jovens produtores orgânicos da cidade, artesãos e artesãs, produtores de cervejas artesanais, livreiros, poetas, músicos e militantes de partidos de esquerda.


Nesse encontro estiveram mulheres de três movimentos que surgiram nos últimos anos, todos impulsionados pelos acontecimentos políticos desde 2016: o golpe contra o governo de Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a eleição do candidato de extrema-direita para a presidência da República.


São o BordaLuta, coletivo de bordadeiras de luta em Brasília; o Linhas da Resistência, um coletivo que borda pautas democráticas por um futuro melhor; e o Flores pela Democracia, formado por mulheres que inundam a cidade e os atos políticos com belas flores de papel que sempre trazem mensagens em defesa do afeto e das pautas sociais.


Em determinado momento, uma delas disse: “Somos mulheres artivistas. Pois a nossa atividade política está sempre ligada à arte”. Outra completou: “Não precisa de dinheiro pra lutar. Basta ir para as ruas e fazer”. E como fazem essas mulheres! Tornaram mais leves as lutas dos últimos sete anos, injetaram beleza e afeto nas lidas diárias e áridas da política.

Em outro canto, chegou a vez das agricultoras falarem. “É possível viver sem veneno”, disse uma. Outra continuou: “Não é fácil, mas é fundamental”. Que frase maravilhosa! Uma terceira completou: “Todos nós podemos. Homens, mulheres, crianças e cachorros. As urbanas e as da roça, as pretas, as brancas e os vermelhos”. E havia indígenas também na Feira da Pontanorte naquele sábado.


Para essas mulheres, a luta cura. Frases como: “Nós bordamos a vida”, ou “o bordado conta histórias”, ou ainda, “não plantamos apenas alimentos, mas também saúde e vida”, gritavam verdades para quem quis ouvir.


Deixei a roda de mulheres reunidas na nossa aldeia gaulesa quase levitando. E se não levitei, é porque o peso de ser homem não deixou. Parafraseando Ednardo, eu diria que elas são poucas, mas podem voar.

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