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Abacateiro

Beto Seabra - 03/03/2023




Uma das crônicas do Rubem Braga que eu mais gosto é sobre um cajueiro. Escrevo aqui sem reler o texto, que conheci faz décadas. O cronista recebeu uma carta da irmã, informando que o cajueiro que alimentou crianças e passarinhos na infância dos dois havia tombado, após um vendaval. Braga transformou aquela informação puramente familiar em uma bela peça da prosa brasileira.


Estou longe de escrever igual ao genial cronista, mas me arrisco a dizer que sofri a mesma dor que ele sofreu uma noite dessas, aqui em Brasília, quando estava em casa me preparando para jantar e ouvi um estrondo. Logo depois descobri que o abacateiro que ficava de frente para o meu apartamento havia caído.


Felizmente a queda ocorreu de noite, pois parte da árvore caiu sobre o parquinho aonde de dia crianças brincam de escorregar, balançar e correr. Interessante é que o abacateiro não foi derrubado pela ventania que antecedeu a chuva que despencou de tarde, mas sim algumas horas depois. Teria ele esperado o parquinho esvaziar-se para só então tombar?


No dia seguinte, quando ouvi a motosserra dos bombeiros trabalhando para retirar parte do ente vegetal tombado, descobri que o abacateiro estava cindido em dois. Metade dele havia caído e a outra metade permanecia em pé, como se tivesse sido atingido ao meio por um raio. Imaginei que ele ainda poderia ser salvo, após uma boa poda. Mas o soldado me mostrou que a árvore estava condenada, pois havia sido atacada por um fungo, que apodrecera o caule.


Após a melancólica derrubada final do abacateiro, algumas pessoas desceram ao piso do bloco com sacolinhas para pegarem os frutos, que se esparramavam pelo jardim da quadra. A natureza, mesmo morta, continua nos alimentando, e imagino que as dezenas de abacates que ainda pendem dos galhos do abacateiro no chão continuarão vivos por mais alguns dias, ou enquanto não forem recolhidos pelas mãos famintas de frutas.


Como não se mandam mais cartas e a queda do abacateiro talvez só interesse aos moradores da minha quadra, fica aqui essa singela notícia que não saiu em jornal nem em site. Feliz foi o Braga, que viveu num tempo em que a queda de um cajueiro e a chegada de uma correspondência do interior do Espírito Santo poderiam, juntos, inspirar um cronista sem assunto.

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