Aprender a viver
Roberto Seabra - 25/05/2018
Terminei a leitura de um livro instigante: Palavra de Honra, de Ana Maria Machado. Sabia dos muitos livros infantis dela, mas nunca havia encarado um romance seu. Li, gostei e passo pra frente, especialmente porque a narrativa é uma aula sobre a vida. Ao contar as histórias de cinco gerações de uma família, Ana Maria Machado nos dá lições que nos ajudam a navegar no mundo de hoje, tão cheio de complexidades.
Relações entre pais e filhos, entre irmãos, e entre parentes de um modo geral, formam a teia do livro da escritora. A partir da história do português José Almada, que migrou para o Brasil no século XIX, ela reconstrói as aventuras de toda a família, de forma sutil e quase sem querer que pareça uma saga familiar. Mas é.
Em um trecho que narra um episódio em que o trisavô da narradora, o próprio Almada, foi passado para trás pelo noivo da neta, tudo porque havia dado “a palavra de honra”, e preferiu vender seu belo sítio a preço de banana do que voltar atrás na promessa que fez, Ana Maria Machado nos mostra a diferença entre o absoluto e o relativo.
O tal noivo se aproveitou que o velho estava há anos sem sair de casa, e ofereceu uma quantia irrisória, como se fosse uma fortuna, pelas terras da família. Ao saber que havia sido enganado, José Almada preferiu perder o sítio a desfazer o negócio.
Ao lembrar a história décadas depois, o tio da narradora mostra à sobrinha que faltou ao velho Almada ginga e senso de humor. “O problema do velho Almada foi confundir bravata com promessa. E levar tudo ao pé da letra. Faltou foi ginga. E senso de humor, para dar uma gargalhada na cara do Luís Carlos (o noivo da neta) e mandar ele se catar”.
E finaliza a lição, comparando a vida com a navegação. “Se o vento muda, tem que posicionar a vela diferente. Mas nem por isso você tem que ir para onde ele sopra. Só passa a manobrar de outro jeito. Mas continua aproveitando a força do vento para se deslocar e ir para onde quer”.
Usar esse exemplo nos dias de hoje, quando a palavra empenhada vale pouco ou quase nada, pode parecer um exagero, mas o livro conta esta história para mostrar que é possível continuar sendo honesto, mesmo quando tudo conspira na direção contrária. “A bússola não muda. Norte é sempre norte. Só que cada um precisa saber seu rumo, e ir corrigindo o tempo todo, para não se afastar. Se não prestar atenção, fica à deriva, afunda, ou vai dar onde não queria”, diz mais adiante o pai da narradora do livro.
Palavra de Honra é um livro que consegue tratar de temas morais, sem ser moralista; de ética, sem propor um tratado filosófico. Leitura para quem quer aprender a viver e educar os filhos, nos tempos difíceis de hoje.
Crédito da foto: Ana Maria Machado (Foto: Companhia das Letras)