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A professora de Português


Roberto Seabra - 15/10/2017


Nos últimos anos foram aprovadas leis que aumentaram os recursos para a Educação. Isso é bom. Parte desse dinheiro seria do petróleo do pré-sal, mas que agora começam a privatizar. Isso é mal.

Mas fico pensando no Brasil dos anos 60, mais pobre e com mais problemas, o que não impediu que Anísio Teixeira criasse o modelo educacional que serviu de base para o ensino público de Brasília. Quem estudou em uma escola classe, centro de ensino ou centro educacional nos anos 60 e 70 vai entender onde quero chegar.

Cito apenas o exemplo da professora de Português que tive no Ginásio do Setor Noroeste, o famoso Gisno. Faço um esforço para lembrar o nome dela. Seria Ivete, Ivone, Isaura... não me lembro, mas sei que começava com I. Imperdoável essa minha amnésia involuntária.

Pois essa professora de Português, nos dois anos em que estudei com ela, na sétima e oitava séries do antigo 1º Grau, fez mais por mim no aprendizado do idioma do que todos os outros professores de língua portuguesa que tive no 2º Grau e na universidade. Não que os outros fossem ruins, mas ela foi, simplesmente, o máximo.

Ela nos obrigava a manter um diário de escola. Todo dia de aula tinha que escrever uma redação. Caso faltasse ideia, ela nos mandava copiar um texto de um autor consagrado ou uma matéria de jornal ou revista, mas isso só poderia ocorrer no máximo uma vez por semana. Na sexta-feira ela recolhia os cadernos e levava para casa. Na segunda-feira nos devolvia, com as correções, os elogios e as críticas. Nunca faltou, em dois anos de aulas.

Era comum na quinta-feira à noite eu descobrir que o diário estava com dois ou três dias em branco. Tinha então que correr para completar o caderno e levá-lo no dia seguinte com as cinco redações prontas para enfrentar a caneta vermelha dela. Lembro que uma vez estava muito cansado e sem ideias para criar uma redação. Peguei então um livro de poemas que havia na minha casa e copiei um texto. Poesia era bom de copiar, pois ocupava muito espaço e rendia. Achei o poema engraçado, falava de uma pedra no meio do caminho, pensei até que fosse coisa para criança.

Na segunda-feira seguinte a professora de Português saiu devolvendo os cadernos da turma, mas ficou com o meu em mãos. E disse para a turma que iria ler um poema copiado por mim. E leu No Meio do Caminho, de Carlos Drummond de Andrade. No final, meus colegas começaram a rir e apontar o dedo para mim. Fiquei vermelho de vergonha e com raiva dela. Por que fizera aquilo comigo?

Em seguida ela pediu silêncio e elogiou a minha escolha. Dissertou sobre a importância do poema para o movimento modernista e disse que gostaria muito que os alunos dela lessem Drummond, além de Bandeira, João Cabral, Cecília Meirelles, Vinicius de Morais, entre outros.

Olhei para trás e encarei meus opressores, que estavam sem saber como se comportar. Olhei para ela, que piscou para mim e disse uma frase que nunca mais esqueci: “sempre que vocês estiverem desconfortáveis com a vida de vocês, abram um bom livro e deixem os olhos correr pelas páginas. Leiam até se cansar. Tenho certeza que depois se sentirão bem melhor”.

Não sei se todos os meus colegas seguiram o conselho da professora de Português. Eu segui, e até hoje sou grato a ela.

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