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A internet do meu tempo era uma banca de jornal


Roberto Seabra - 04/10/2017


Cresci num tempo onde a comunicação era muito diferente da que é feita nos dias de hoje. Enquanto no século 21 a troca de informações é multipontual – cada pessoa com seu aparelho celular, notebook ou tablet, recebendo e enviando textos, sons e imagens o tempo todo para diferentes sujeitos – há coisa de trinta, quarenta anos, vivíamos a verdadeira comunicação de massa: um emissor de um lado e milhões de receptores do outro. Não havia como fugir. Era isso, ou nada.

Banca de Conceição, na 308 sul

Víamos todos os mesmos programas de TV, ouvíamos as mesmas rádios e líamos as mesmas revistinhas. Havia muito menos opções do que hoje, mas, engraçado, parece que existia mais espaço para a surpresa. Uma criança dos anos 70 era altamente desinformada, ao contrário das atuais. Sabíamos apenas o que se ensinava nas escolas e nas ruas. Desinformada, mas não ingênua. Não havia internet e muito menos redes sociais. Isso, por outro lado, permitia que a imaginação corresse solta. O que ignorávamos, inventávamos.

O único local organizado e informal onde crianças e adolescentes daquele tempo podiam interagir e tomar conhecimento das coisas do mundo era um lugar chamado banca de revistas ou de jornal. Era ali, na entrada de cada superquadra, onde, literalmente, líamos o mundo. Pode parecer exagero o que vou dizer, mas para muitos a banca de jornal era tão importante quanto a escola.

A quadra em que cresci, a SQN 312, tinha uma banquinha que fez história (hoje, infelizmente, ela está fechada). Durante mais de quarenta anos, a dona Ilma bateu ponto lá todos os dias, de segunda a domingo, oferecendo jornais, revistas em quadrinhos, de música, de esportes e os campeões de preferência da meninada: os álbuns de figurinhas.

Havia também as publicações proibidas, claro. Mas ao contrário de hoje, onde os adolescentes necessitam descobrir as senhas para explorar os canais adultos, naquele tempo bastava ter um amigo trabalhando na banca para ter acesso ao maravilhoso mundo do nu feminino. Criamos uma técnica que nos permitia tirar o lacre das revistas proibidas para menores de 18 anos, líamos, ou melhor, víamos, sofregamente, aquele mundo de fotografias eróticas, e lacrávamos novamente o material antes que a dona da banca ou outro adulto chegasse para nos surpreender.

Outra recordação, desta vez mais edificante. A banquinha de revistas também era meio de sustento para muito garoto disposto a trabalhar. Ela permitia que vendêssemos os jornais, especialmente nos fins de semana, e pagava uma porcentagem para cada exemplar vendido. Quando o domingo era bom, ou seja, fazia Sol e tinha uma boa manchete de capa, era possível vender 40, 50 jornais em um só ponto – o melhor era a porta da padaria da quadra. Comi muito doce e vi muito cinema com o dinheiro ganho naquele trabalho.

Depois que a dona Ilma morreu, o local nunca mais foi a mesmo. Um pedaço das nossas histórias foi junto com ela, histórias de um tempo em que o que havia de melhor e mais misterioso no mundo cabia dentro de uma banquinha de jornal.

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