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Veneno antidemocracia


Roberto Seabra - 27/12/18

O século XXI não começou bem, depois melhorou e voltou a piorar. E lá se vai mais um ano do terceiro milênio em que a fome, o desemprego, as guerras, as migrações forçadas e o extermínio ambiental caminham juntos. Pensando bem, as grandes desgraças humanas fazem parte de um mal maior: a desigualdade social.

O economista francês Thomas Piketty, autor do já famoso “O capital no século XXI”, é um dos organizadores da pesquisa “Desigualdade Mundial 2018”. Segundo ele, em entrevista dada ao jornal El País, quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes. É a maior concentração do tipo no mundo.

A região em que os mais ricos detêm menor fatia da riqueza é a Europa. “O continente europeu é tido pelos pesquisadores como exemplo a ser seguido no combate à desigualdade, já que a evolução das disparidades na região foi a menor entre as medidas desde 1980”, diz a reportagem do jornal El País.

E o que os pesquisadores, entre os quais Piketty, propõem para mudar esse quadro? A implementação de regimes de tributação progressivos e o aumento ou criação dos impostos sobre herança, além de mais rigidez no controle de evasão fiscal. O contrário do que fez o atual governo (Temer) e pretende fazer o futuro governo (Bolsonaro).

Está claro que a desigualdade vai crescer nos próximos anos, ou, como se diz em bom português, o arrocho vai aumentar. Teremos mais pobres e miseráveis e deve crescer entre nós o número de bilionários, que irão ganhar muito dinheiro com a privatização selvagem que deve vir nos próximos meses.

O Estado no Brasil sempre foi um grande indutor de desenvolvimento e distribuição de renda e o seu enfraquecimento – via privatizações e redução de gastos sociais – vai gerar mais pobreza e mais violência urbana. Engana-se quem acha que os países que alcançaram grande desenvolvimento econômico e social fizeram isso apenas pelas mãos do mercado.

O livro de Piketty mostra de forma clara que os países com alto desenvolvimento social e econômico tiveram a mão forte do Estado agindo na distribuição da renda. Essas nações montaram mecanismos de controle da economia e políticas sociais de compensação que perduram até hoje. O capital é selvagem e, se não houver quem o controle, ele destrói inclusive seus pressupostos.

Já vivemos no Brasil outros momentos de arrocho em que uma grande parcela da população, em especial nas regiões mais carentes, se insurgiu contra o status quo. Foram tempos de saques a supermercados e invasões a depósitos de alimentos. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980 a situação era tão ruim que um presidente da república, perguntado o que faria de ganhasse um salário mínimo, respondeu de pronto: “daria um tiro no coco”.

É mentira dizer que o mundo não tem riqueza suficiente para todos, e que a desigualdade é inevitável e a pobreza uma sina maldita da humanidade. Segundo Thomas Piketty, com dados de 2012 citados em seu livro, se toda a renda mundial fosse dividida pelo número de habitantes, cada terráqueo teria direito a uma renda mensal de 760 euros. Isso quer dizer que uma família brasileira com cinco pessoas teria uma renda mensal de aproximadamente 17 mil reais! Nada mal. Ou seja, seríamos todos classe média. Claro que isso nunca vai acontecer. Mas mostra que é possível acabar com a miséria e a pobreza, se houvesse vontade política dos ricos e dos políticos.

A concentração de renda é o maior veneno contra a democracia. E o contrário da democracia não leva nunca ao desenvolvimento social e econômico durável. O problema é que, no Brasil, sempre que governos tentaram distribuir melhor a renda, foram duramente atacados e tivemos tentativas de golpes ou golpes de estado. Vide Vargas, Jango e Dilma. Lula foi uma exceção.

A grande questão é: como distribuir renda sem abalar a democracia? De que forma outros países conseguiram fazer isso por períodos mais longos? É possível crescer, distribuir renda e manter a estabilidade política? Por onde começar? São muitas as perguntas. Talvez a saída passe por um pacto de respeito às regras democráticas. Quando um dos poderes quebra esse pacto e começa a avançar sobre o poder vizinho, a democracia balança e as políticas de longo prazo descem ladeira abaixo.

E como nos lembra Piketty ao final de “O capital no século XXI”, o Estado social do século passado precisa voltar a agir no século atual. Todas as crianças devem ter uma escola de qualidade e todas as pessoas, independente da renda, devem ter bons serviços de saúde. Sem isso, não garantiremos um país soberano e democrático.

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