Uma ponte entre Honestino Guimarães e a educação pública
Beto Seabra - 28/03/2023
Deixo o ato público em homenagem ao líder estudantil Honestino Guimarães, desaparecido em 1973, e sigo para o trabalho, feliz em saber que a ponte que antes homenageava um ditador foi rebatizada com o nome de uma vítima da ditadura militar.
Quando chego ao trabalho e leio as últimas notícias, meu coração se anuvia. Um estudante de 13 anos, em São Paulo, usou uma faca para matar uma professora e ferir outras cinco pessoas da escola onde ele estuda. A tragédia não foi maior porque outra professora, de educação física, arriscou a vida para imobilizar o adolescente.
O que leva um menino nessa idade a acabar com a vida de uma professora e ferir outros colegas e mestres? Alguma mágoa pessoal, bullying, ou seria algum trauma sofrido? Ou ainda, uma doença mental não identificada?
Na mesma hora me volto mais uma vez para a figura de Honestino Guimarães. Conhecer melhor a nossa história sempre nos ajuda a entender o presente.
Em 2019 entrevistei a escritora Betty Almeida, autora do livro Paixão de Honestino (Editora UnB). Eu havia lido a biografia escrita por Betty sobre a história do seu colega de UnB. Os dois foram contemporâneos, mas em cursos diferentes. Honestino estudou na Geologia e Betty na Química.
Mais do que apresentar a vida e a trajetória de Honestino, o livro mostra também um Brasil que foi perdido pela prisão e desaparecimento de centenas de jovens, alguns dos quais brilhantes, como é o caso do próprio líder estudantil biografado, que foi o primeiro colocado geral no vestibular da UnB.
Durante o ato público na ponte rebatizada em homenagem a Honestino, Betty nos lembra de Paulo de Tarso Celestino da Silva e Ieda Santos Delgado, outros dois estudantes da UnB nunca localizados.
E o que foi colocado no lugar desses jovens desaparecidos, mortos e torturados? Opressão, censura e violência policial-militar. Isso explica muito porque o Brasil virou um péssimo modelo de país seguro para se viver. Servidores públicos que eram pagos para garantir a paz social, utilizaram a força bruta e violaram as leis para manter uma ditadura em funcionamento por 21 anos.
Foi um retrocesso tão grande do ponto de vista da construção de uma política pública, pois segurança pública é uma política como outra qualquer - que requer servidores públicos compromissados, éticos e bem treinados - que fica difícil imaginar que Brasil teríamos se a ditadura não tivesse acontecido.
Isso me faz lembrar o que disse certa vez uma mãe e moradora de uma favela do Rio de Janeiro, de que a ditadura tinha acabado no asfalto, mas não no morro. Os jovens negros que continuam morrendo nas quebradas, sem direito à defesa, são a continuidade do regime de exceção. Se durante a ditadura o modelo servia para oprimir os jovens de classe média que questionavam o regime, agora ele serve para impedir que a democracia reconquiste aquilo que a ditadura roubou dos mais pobres e dos mais pretos: trabalho, renda, educação e saúde públicas.
Sim, o Brasil que saiu da ditadura era mais pobre e muito pior, apesar da propaganda na televisão dizer o contrário e o ensino nas escolas tentar provar o inverso.
Não sei a cor, a classe social, nem a procedência do adolescente de 13 anos que matou a professora em São Paulo. Mas posso imaginar que escola teríamos hoje, se não tivéssemos patinado durante mais de duas décadas em um modelo educacional que obrigava as crianças e os adolescentes a aprenderem bobagens de moral e cívica e a deixarem de lado as noções básicas de cidadania e os conhecimentos sobre a história do nosso país.
O estado brasileiro governado por militares matou Honestino Guimarães em 1973, mas é agora, cinquenta anos depois, que o Brasil começa a acordar para o desastre que foi construído sobre os escombros da ditadura.
Comments