Educação contra a fadiga da comunicação e para acabar com as fake news
Texto: Beto Seabra - Ilustração: Arthur Seabra - 02/05/2023
Sou pessimista. Acredito que, se nada de diferente for feito, em menos de dez anos estaremos soterrados pela avalanche de informações, desinformações e lixo virtual que preenchem cada vez mais as nossas vidas.
Me recordo que ao longo dos anos 1990, com a popularização da Internet, alguns estudiosos começaram a usar o conceito “fadiga da informação”. Lembro especialmente da professora de Comunicação Cremilda Medina, da USP, que defendia o uso das narrativas no meio jornalístico como uma espécie de ‘vacina’ contra essa fadiga que ameaçava a nossa sanidade de leitor, ouvinte ou telespectador.
A partir do século XXI, no entanto, uma nova e importante questão surgiu. Com a evolução dos aparelhos celulares, que passaram a ser computadores portáteis, e o surgimento das redes sociais e dos aplicativos de mensagens, ocorreu uma proliferação de meios para a criação e o envio de muito mais informações.
Isso é importante que se diga. Informações sempre existiram, e em grande quantidade. O que havia, antes, é que poucos meios enviavam as informações para bilhões de pessoas em todo o planeta, por intermédio das emissoras de rádio e televisão, dos jornais e revistas e, com a web, por intermédio de sites, blogs e e-mails.
Mesmo com a Internet, os meios ainda eram limitados, mesmo que tenham se multiplicado.
Com o surgimento do Facebook em 2004, do Youtube em 2005, do Twitter em 2006, do WhatsApp em 2009, do Instagram em 2010, do Telegram em 2013, do Discord em 2015 e do Tik Tok em 2016, só para citar as redes sociais e aplicativos de mensagens mais conhecidos, vimos em pouco mais de uma década a proliferação gigantesca dos meios de emissão.
Se antes, digo, no início do século 21, as pessoas recebiam e liam mensagens de, no máximo, uma dúzia de veículos de mídia, hoje, passados vinte anos do início desse processo, podemos em um só dia receber ou buscar mensagens de centenas ou até milhares de meios. E os meios, no caso, podem ser desde a poderosa Rede Globo de Televisão ou aquele tiozinho com quem você não concorda politicamente e que é craque em repassar notícias falsas ou memes preconceituosos.
Nesse 2023 em que nos encontramos, quando uma guerra entre a Rússia e a Otan pode levar o mundo a uma hecatombe nuclear, se torna ainda mais urgente falar de Comunicação e de como podemos restringir, ou pelo menos limitar, aquela avalanche de informações que citei no primeiro parágrafo, que não apenas vem acabando com a nossa saúde física e mental, mas também colocando em risco a própria sobrevivência humana no planeta.
Será que estou exagerando? Não, não estou, e você saberá porque.
Em 1996, o jornalista, escritor e executivo de televisão Augusto Marzagão publicou um artigo na Folha de S. Paulo alertando para o problema da fadiga da informação. Escreveu ele:
“Há uma nova doença no mundo: a fadiga da informação. Antes mesmo da Internet, o problema já era sério, tantos e tão velozes eram os meios de informação existentes, trafegando nas asas da eletrônica, da informática, dos satélites. A Internet levou o processo ao apogeu, criando a nova espécie dos internautas e estourando os limites da capacidade humana de assimilar os conhecimentos e os acontecimentos deste mundo”.
Vejam que o artigo dele foi publicado bem antes do surgimento das redes sociais e aplicativos citados acima. E ainda assim ele falava em “nova doença” e “limites da capacidade humana de assimilar os conhecimentos”.
Isso quer dizer então que Augusto Marzagão exagerou? Ele estava enganado? Sim e não.
Sim, pois sabemos que o ser humano consegue se adaptar a quase tudo, e conseguiu ampliar a sua capacidade de compreensão e escapar temporariamente daquela doença chamada fadiga da informação. Não, porque, de fato, nos aproximamos cada vez mais de um limite do não retorno. E, de fato, houve um adoecimento maior das pessoas, do ponto de vista psicológico, após o surgimento dos smartphones. Não sou eu quem digo isso, mas psicólogos e psiquiatras.
Assim como o aquecimento global exige que paremos desde já a nossa corrida pela destruição dos recursos naturais, pois a partir de um certo ponto desse processo de destruição os estragos não poderão mais ser remediados, o mesmo acontecerá com a “bomba comunicativa” que estamos criando ao nosso redor. Dentro de mais alguns anos, será impossível evitar que essa bomba estoure e destrua a sociedade, pelo menos a sociedade como a conhecemos.
O que fazer? Sinceramente, não sei. Talvez seja mais fácil parar com a produção e queima de combustíveis fósseis (principal fonte de aquecimento global hoje), do que convencer as pessoas a usarem melhor as ferramentas de comunicação que passaram a fazer parte do nosso cotidiano a partir deste século 21.
Brincadeira, claro que sabemos o que fazer: educação. Sim, educação, educação e mais educação.
Educação para a mídia, educomunicação, media literacy, alfabetização para os media, não importa o termo. O mais importante é que as pessoas aprendam a usar e, principalmente, deixar de usar os meios de comunicação.
Pesquisa mostra que os usuários no Brasil passaram em 2021, em média, 5,4 horas por dia no smartphone, usando, principalmente, WhatsApp e Tik Tok. Isso sem contar televisão, computador, tablet e outros dispositivos eletrônicos. Se eles conseguissem reduzir essa média pela metade e usassem as duas horas ganhas em, por exemplo, leitura de livros, ou ver filmes no cinema, ou ver peças de teatro, ou passear pelas calçadas (mas sem levar o celular junto), ou caminhar por trilhas, ou pedalar, ou nadar, ou, ou, ou. As opções são quase infinitas, desde que tenhamos tempo. E as novas mídias, essa é a verdade, nos roubaram o nosso tempo livre.
Naquele mesmo artigo de 1996, que em outubro próximo completará 27 anos, Marzagão alerta para a urgência, já naquela época, de colocarmos um freio nessa avalanche de informação que nos chega, não mais diariamente, como se dizia antigamente, mas a cada segundo:
“Ou buscamos um equilibrado 'modus vivendi' com as pressões da prodigiosa tecnologia da comunicação, ou o feitiço virará contra o feiticeiro. O oxigênio da informação, sem o qual no passado recente não conseguiríamos respirar, terá de ser bem inalado para não nos ameaçar com a asfixia, o estresse, as neuroses e, quem sabe, o infarto”. (Augusto Marzagão, Folha de S. Paulo, 22/10/96).
PL das fake news
Para encerrar, não posso deixar de falar sobre a proposta que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mais conhecido como PL das fake news, que a Câmara dos Deputados deve votar nesta semana.
O substitutivo ao projeto, de autoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), dedica um capítulo ao tema do "fomento à educação para o uso seguro da internet". O texto, no entanto, é muito genérico. Fala em 'campanhas educativas', 'desenvolvimento do pensamento crítico' e 'alfabetização digital', mas não prevê como isso será feito nem garante recursos para tais orientações.
Duas emendas ao PL das Fake News poderiam ajudar bastante a tornar esse capítulo efetivo: uma que definisse quem vai fazer o quê, como e até quando; e outra que separasse parte dos recursos que serão angariados com o dinheiro da monetização proveniente das big techs para programas de educação para a mídia.
Regular a avalanche de informações que chega pela Internet e ensinar as crianças e os adolescentes de hoje a usarem as redes sociais e os aplicativos de mensagens de forma ética e saudável poderão evitar que a bomba comunicativa exploda no nosso colo e ainda na atual geração.
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