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Dia de Cosme e Damião

Roberto Seabra – 26/09/21





Crianças correndo pelas ruas e entre os blocos da minha quadra, em busca de uma sacolinha de guloseimas. A lembrança não apenas é doce, mas também tem o sabor da convivência misturada que foi a minha infância em Brasília. Do filho do sapateiro à filha do alto funcionário do governo, todos disputavam as prendas entregues no Dia de Cosme e Damião, os irmãos médicos que foram sacrificados por um imperador romano, viraram mártires da Igreja Católica e foram adotados pelas religiões de matriz africana dentro do processo (imposto) de assimilação sincrética.


Todo dia 27 de setembro a garotada da quadra parava tudo o que estava fazendo para correr atrás dos doces. Na véspera da data, tínhamos um mapa mental de todos os possíveis endereços onde poderíamos encontrar as sacolinhas com balas, marias-moles, paçocas e pirulitos.

Me lembro de uma vizinha de corredor que não tinha filhos, mas cumpria alguma promessa pela saúde de um sobrinho cujo pagamento eram as sacolinhas de Cosme e Damião. Eu acordava cedo e abria a fila dos beneficiários, posto que tinha algum privilégio por ser a criança geograficamente mais próxima da benemérita.


Os mais crescidos, já adolescentes, se aventuravam a ir buscar doces no Terreiro de Umbanda da Vovó Sabina, que ficava a certa distância da nossa quadra. Eram as melhores sacolinhas, as mais sortidas e que ainda por cima vinham impregnadas pelo mistério do local e pela beleza de uma filha de santo que fazia a entrega dos doces.


Naquele tempo as seitas pentecostais ainda não existiam, ou se existiam ainda não haviam feito o estrago que fizeram ao País com sua intolerância à diversidade religiosa. Buscar sacolinhas de Cosme e Damião não era pecado, pelo contrário, os pais incentivavam, por saberem que aquilo fazia parte de uma tradição de católicos, espíritas e seguidores da Umbanda e do Candomblé.


Não sei se foi coincidência, mas soube hoje pela Rosana que a homilia deste domingo do corajoso padre Júlio Lancelotti foi sobre o sectarismo. Citando trecho da Bíblia (Livro dos Números), ele criticou as pessoas que tentam calar as vozes alheias, como se apenas elas tivessem o monopólio da "Palavra de Deus".


Eu, na minha fé capenga, acredito que quanto mais plural e diversificada for a tradição religiosa de um povo, maiores são as chances de termos uma sociedade mais tolerante e pacificada. Exemplos, no presente e no passado, de países onde a religião virou um instrumento de poder e violência de uma maioria contra as minorias existem aos montes. Então: viva Cosme e Damião! E que as nossas crianças possam correr livres atrás daquilo que gostam, sem medo do inferno, pois triste é a fome.

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