De Corsários a Corshackers
Mauro Lando - 16/08/21
Segundo o verbete na Wikipédia, A “carta de corso”, ou “carta de marca”, era um documento emitido pelo governo de um país pelo qual seu dono era autorizado a atacar navios (cargueiros, não de guerra) e povoados (bases), de nações inimigas. Desta forma, convertia o proprietário da carta em membro da marinha daquele país, conforme a chamada "Lei do Mar", Tratado Internacional da época. As cartas de corso foram muito utilizadas na Idade Média e na Idade Moderna, principalmente pela França e a Inglaterra, também em menor grau pela Espanha (para satisfazer a curiosidade do leitor, essa brincadeira só acabou em 1856, em um anexo ao tratado que encerrou a Guerra da Crimeia, somado ao advento da propulsão a vapor e do aperfeiçoamento de outra novidade, o canhão de carregar pela culatra).
O verbete lista as vantagens da atividade do detentor da “carta de corso”, ou “carta de marca” para o corsário – que se fosse preso podia, mostrando a carta firmada pelo rei que o empregava, alegar ser um combatente e não pirata, e assim escapar da forca. Porém, mais interessantes eram as vantagens para o rei seu empregador, das quais destaco uma, central para esta história: “Poder alegar que as ações realizadas contra países com quem não estavam em guerra, mas se queria punir, eram obra de piratas, alheios a sua vontade.” Ele (o empregador) contava “...com a facilidade de negar a responsabilidade”. Notaram a pegadinha?
Agora saltemos do século XVII para o XXI. Foi amplamente noticiado na imprensa de todo o mundo uma paralise total de um importantíssimo oleoduto nos EUA, vejam a noticia na Wiki:
“Em 7 de maio de 2021, a Colonial Pipeline, uma rede de oleodutos nos EUA que se origina em Houston, Texas, e transporta gasolina e combustível de aviação principalmente para o sudeste do país, sofreu um ataque cibernético de ransomware - o que exige grana para o resgate - que afetou o equipamento computadorizado que controla o oleoduto. A Colonial interrompeu todas as operações da rede para conter o ataque. Com a ajuda do FBI, a companhia pagou o resgate exigido (75 bitcoin ou US$ 4,4 milhões) algumas horas após o ataque. Os hackers então enviaram um aplicativo de software para restaurar sua rede, que só voltou a operar muito lentamente”.
Esse foi só o mais espetacular de uma série crescente de ataques de ransomware (de ransom, resgate), mais uma palavra do jargão de informática inglês que infelizmente tende a aparecer cada vez mais no noticiário, envolvendo bancos e grandes companhias norte-americanas e europeias. Foi o maior ataque cibernético a um alvo de infraestrutura de petróleo na história dos Estados Unidos. O FBI e várias fontes da mídia identificaram o grupo criminoso de hackers DarkSide como o responsável. Acredita-se que o mesmo grupo tenha roubado 100 gigabytes de dados dos servidores da empresa um dia antes do ataque de malware.
O presidente Biden declarou em 10 de maio que embora não houvesse evidências de que o governo russo fosse responsável pelo ataque, havia evidências de que o grupo DarkSide seja baseado na Rússia e que, portanto, as autoridades russas "têm alguma responsabilidade em lidar com isso". Pesquisadores independentes de cibersegurança também declararam que o grupo de hackers é russo, pois seu malware evita criptografar arquivos em um sistema em que o idioma é definido como russo.
Agora vejam o título de uma matéria de 15 de julho do New York Times, pouco antes da partida de Biden para Moscou para um cara a cara com Putin: “Antigamente, as conferências de cúpula das grandes potências eram sobre armas nucleares. Agora, são sobre as armas cibernéticas. Mas com a facilidade de negar a responsabilidade e a ampla gama de possíveis atacantes, as opções tradicionais de retaliação da era nuclear não funcionam mais.”
Pode-se imaginar o Putin em Genebra com aquela sua típica cara de jogador de pôquer dizendo pro Biden na maior cara de pau:
“Quem? Eeeeeu? Imagine, moço, nem pensar! Porque o senhor não vai perguntar pros Chinas? Eles são danados nessas coisas”.
Nota: quem quiser maiores detalhes sobre a Darkside há uma fascinante entrevista no New York Times com um repórter que morou vários anos na Rússia.
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