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As vidas pequenas de todos nós

Rosalva Nunes - 25/03/2021



Segundo romance da norte-americana Hanya Yanagihara, Uma Vida Pequena foi lançado no Brasil em 2016 sem a repercussão e polêmica provocadas nos Estados Unidos, onde obteve também grande sucesso e foi indicado ao prêmio Pulitzer.


Um livro denso, até pela quantidade de páginas (720), aborda temas difíceis, embora cotidianos, mas a forma de narrativa que dá voz a cada um dos personagens envolve o leitor e o faz buscar as páginas seguintes de um só fôlego.


A história gira em torno de quatro amigos da universidade até a busca do sucesso em Nova Iorque, acompanhando-os da juventude à maturidade. O doce e atormentado Jude torna-se um advogado infalível e implacável; o belo e generoso Willem alcança a fama como ator; o perdido e invejoso JB faz sucesso como fotógrafo e pintor: e o pragmático e realista Malcom vira um arquiteto reconhecido.


Todos os personagens, inclusive os agregados, orbitam em torno de Jude, que sofre dores físicas e espirituais provenientes de um passado obscuro que o livro se encarregará de desvendar. Um atropelamento na adolescência seguido de várias cirurgias traz a Jude dores lancinantes que levam os amigos a tecer em volta dele uma rede de amor e proteção.


Mas, dos tormentos do passado, não conseguem libertá-lo. E é justamente a narrativa de Hanya dessa infância maculada por abusos físicos, mentais e sexuais que tornou o livro polêmico. Alguns críticos acusaram-na de sadismo e sensacionalismo, mas é a forma como são apresentados os fatos, fria, sem concessões a emoções, que leva o leitor a vestir a pele do personagem e, finalmente, compreendê-lo.


Porque Jude se mutila, se odeia, não se julga merecedor de amor, nem mesmo dos amigos. Porque Jude não consegue superar seus traumas e simplesmente seguir a vida. É tão imensa sua autodepreciação que, ao encontrar o amor junto ao melhor amigo, ainda se surpreende todos os dias ao acordar e vê-lo na cama: “Como ele ainda está aqui, como ele consegue amar alguém como eu?”


Dos personagens secundários que também gravitam em torno de Jude, o mais comovente é Harold, antigo professor e mentor do grupo. Harold, que perdera um filho pequeno vítima de uma síndrome rara, adota legalmente Jude, quando este já tem 32 anos. E é dele que vem a mais sensível reflexão sobre ter um filho: “O sentido de um filho não é o que ele vai realizar em nosso nome, mas o prazer que lhe proporcionará, seja de que forma for, mesmo uma que mal possa ser reconhecida como prazer e, o que é mais importante, o prazer que você terá o privilégio de proporcionar a ele”.


A decisão de ter ou não filhos, aliás, motiva um dos debates entre os amigos sobre o propósito da vida. Malcom, já casado, argumenta que só um filho, que seguiria nossa história, daria um significado ao fato de ter vivido. Mas é Willelm quem encerra a discussão ao dizer que o propósito de sua vida é ser bondoso e generoso com os amigos. E no fim é sobre isso que gira o livro: afetos e amores que sobrevivem às diferenças, famílias que se formam independentemente de laços sanguíneos ou raças, perdas e pequenas alegrias divididas igualmente.


Não é uma história sobre redenção, perdão ou finais felizes. São histórias de um cotidiano que poderia ser o de nossas pequenas vidas, muitas vezes nos colocando diante de caminhos e bifurcações difíceis de serem trilhados. Como vamos seguir em frente é, na maioria das vezes, uma escolha solitária.

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