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A culpa histórica do hemisfério norte

Mauro Lando - 04/11/21




O semanário “Intelligencer” é uma espécie de “Caderno Especial” da revista New York. Eles anteciparam a edição desta semana para 1 de novembro, para coincidir com a abertura da mega-conferência COP26 em Glasgow, onde supostamente os 200 países participantes vão dar sua palavra de honra que farão tudo para manter o aumento da temperatura global até 2030 em 1,5ºC. (apesar de todo mundo saber que isso é impossível). O número abre com uma matéria de excepcional valor por David Wallace-Wells, jornalista de grande gabarito especializado nos aspectos políticos da grande questão do aquecimento global.


Vale a pena dar uma olhada na abertura de seu artigo, que transcrevo abaixo. Notem que ele usa o conceito de “reparações” em analogia a seu uso em dois casos famosos na história recente, as reparações infligidas à Alemanha no Tratado de Paz de Versailles de 1919 e as reparações vertidas pela Alemanha a Israel, o nascente estado judeu, imediatamente após sua fundação em 1948, como uma espécie de compensação moral pelos crimes do regime nazista.


Climate Reparations (Reparações Climáticas)


Paira no ar um trilhão de toneladas de carbono, colocado lá pelos ricos do mundo, uma ameaça existencial para seus pobres. Podemos removê-lo?


O cálculo é tão simples quanto a reivindicação moral. Sabemos quanto carbono foi emitido e por quais países, o que significa que sabemos quem são os maiores responsáveis e quem vai sofrer mais e que não são os mesmos países. Sabemos que o fardo imposto aos povos mais pobres do mundo pelos mais ricos é horrível, que está crescendo e que representa um apartheid climático que exige reparação - ou deveríamos saber. Sabemos que podemos remover parte desse carbono da atmosfera e desfazer pelo menos parte dos danos. Sabemos o custo de fazer isso usando as ferramentas que temos hoje. E sabemos que, a menos que os usemos, o problema nunca irá embora.


Em geral o aquecimento global é descrito como uma crise ecológica. Mas há outra forma de conceber a mudança climática: como uma catástrofe moral, engendrada pelas nações protegidas do Norte global no passado recente e sofrida por aqueles, no Sul global, os menos responsáveis por ela e os menos preparados. Os ricos são ricos hoje por causa do desenvolvimento movido a combustíveis fósseis; os mais pobres hoje são aqueles que praticamente nada produziram dessa poluição. Mas a atmosfera é tão indiferente à localização das emissões quanto a seu motivo; o que importa é a contagem dos danos. A política climática atual se preocupa principalmente com as projeções de emissões futuras: o que pode ser feito. Mas a crise climática que temos agora em toda a sua urgência e brutalidade se deve ao legado de emissões: o que foi feito.


O que foi feito é o seguinte: Sessenta por cento de todas as emissões passadas foram produzidas durante a vida do americano médio, que tem 38 anos. Quase 90 por cento foram produzidos durante a vida de nosso presidente. O acordo de Paris de 2015 estabeleceu uma meta de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius. Essa meta implica uma espécie de "orçamento de carbono". E já gastamos 89% dele.


*Tradução deste autor



E aqui o leitor entende a pequena frase entre parêntesis que coloquei lá em cima: apesar de todo mundo saber que isso é impossível. É evidente que não se vai alcançar esse mágico 1,5ºC. Todo mundo sabe, os políticos, os ecologistas, os cientistas. Mas é preciso manter a pantomima: os políticos têm que mostrar a seus eleitores que estão fazendo o possível, se necessário mentindo descaradamente nos números; os cientistas só podem mostrar os dados e as conclusões, está fora de seu alcance tomar um avião, ir para a China e fechar manualmente as usinas geradoras a carvão (mais da metade da geração do país), ou aparecer na TV americana em horário nobre, olhar para a câmera e perguntar: O sr. a sra. realmente precisam voar 3 horas para o aniversário da vovó do outro lado do país, ou 9 horas para ir passear na Europa, sabendo que (e aqui cito de novo David Wallace-Wells) cada passageiro sentado num voo transatlântico gera 1 tonelada de CO2? Não podem. São obrigados a dar sugestões que serão ignoradas porque iriam contra aquele monstro sagrado que nos devora lentamente a todos, chamado “A Economia”.



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