Brasília: capital do silêncio ou túmulo do samba?
Roberto Seabra - 02/04/2018
Mente quem diz que Brasília não tem esquinas. Tem sim, e muitas. Os barzinhos e seus músicos são as esquinas da cidade. Se aqui não tivemos um Clube da Esquina, temos ou tivemos dezenas de lugares onde a boa música criou tradição e transformou o Distrito Federal num dos maiores celeiros de artistas do País.
Foi num desses lugares, mais precisamente no bar Bom Demais, na Asa Norte, que Cássia Eller arrebatou seus primeiros fãs, incluindo este cronista. E foi também em outro bar, o Feitiço Mineiro, que ouvi pela primeira vez o Dois de Ouro e o bandolim genial de Hamilton de Holanda.
Aconteceu num verdadeiro boteco, o Cavalo Negro, na 312 Norte, quando ouvi falar pela primeira vez em Clodo, Climério e Clésio, antes de se tornarem compositores reconhecidos no Brasil inteiro.
Vi o primeiro show da banda Aborto Elétrico, antes de Renato Russo criar o Legião Urbana, na Ciclovia do Lago Norte, e não me lembro de reclamações quanto ao “barulho” dos músicos.
Aprendi a gostar de samba no Flor Amorosa, saudoso barzinho que marcou época, e de forró no Asa Branca, também falecido.
Adorava descer os degraus em uma comercial (revisor, é ‘uma’ mesmo) da 209 Norte, para ouvir jazz e bossa nova no Mistura Fina. E não perdia uma sexta-feira no Othelo’s Bar, onde o músico Daniel cantava e tocava divinamente os clássicos da música brasileira.
Pelos bares da vida, sempre em Brasília, ouvi Zelito Passos, Fred Brasiliense, Rubi, Adriano Faquini, Zélia Cristina (hoje Zélia Duncan) e muitos outros e outras.
Tudo isso aconteceu nos anos 80 e 90, quando não havia a famigerada Lei do Silêncio. Hoje, resido há dois quilômetros do bar mais perto e no entanto tenho as minhas noites despertas pelos mega-shows que acontecem na orla do Lago Paranoá. Essa turma a Lei do Silêncio não alcança.
Já morei em quadras residenciais e em cima de lojas comerciais. Nunca deixei de dormir por causa de música de barzinho.
Se hoje Brasília não é vista apenas (em geral de forma depreciativa) como capital da política, devemos isso aos nossos artistas, em especial nossos músicos: Brasília, Capital do Rock; Brasília, Capital do Choro; Brasília, celeiro da música instrumental; etc.
Caso Vinicius de Moraes estivesse vivo e passeasse por Brasília – cidade que ele celebrou com seu parceiro Tom Jobim na belíssima Sinfonia da Alvorada – certamente ele retiraria de São Paulo o título de “túmulo do samba” e o entregaria de bom grado à capital federal.