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Livro mostra relação entre o jornalismo e a crise política


Roberto Seabra - 15/05/2016


Quando o livro Jornalismo Político – Teoria, História e Técnicas foi lançado, no primeiro semestre de 2006, o Brasil ainda vivia um clima de relativa tranquilidade política. Notícias sobre corrupção surgiam, mas o país conseguia conviver democraticamente com isso, tanto que em outubro daquele ano o presidente Lula conquistou seu segundo mandato, mesmo depois da crise provocada pelas denúncias do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson, e que a grande imprensa noticiou com amplo espaço e passou a chamar de mensalão.

O segundo mandato de Lula conviveu com as apurações sobre o caso e o líder do PT terminou seu governo com mais de 80% de aprovação, além de ter conseguido eleger seu sucessor, a ex-ministra Dilma Rousseff. O julgamento do mensalão (oficialmente o nome é Ação Penal 470), que ocorreu durante o primeiro mandato de Dilma, também não impediu que a presidente alcançasse altos índices de aprovação (o maior deles bateu em 79% de ótimo e bom, em março de 2013, ou seja, com o julgamento encerrado no STF e apenas três meses antes das manifestações de rua em razão do aumento das passagens de ônibus e metrô).

Damos um salto e chegamos a 2016, quando o livro completa dez anos de estrada. O que aconteceu de 2013 para cá, que fez o quadro político se deteriorar rapidamente, contaminando a economia e as relações institucionais entre os três poderes? Por que um país que vinha dando certo – até pelos seus defeitos, pois o que surgiu com a apuração extensiva e intensiva dos casos de corrupção foi visto como prova de maturidade da nossa democracia, ao julgar, inocentar ou condenar os envolvidos, sem, contudo paralisar os governos – de repente desandou? Até que ponto o Jornalismo Político produzido hoje ajuda ou atrapalha a explicar a crise sem precedentes a que chegamos?

O livro que organizei juntamente com Vivaldo de Sousa traz jornalistas e teóricos da Comunicação de diferentes escolas e que possuem visões de mundo divergentes sobre a política no Brasil. Basta ver os nomes dos co-autores, estampados na capa ao lado, para entender que o objetivo da publicação é o de provocar o debate e ajudar a fazer um Jornalismo Político melhor e mais plural, e que ajude na consolidação da nossa frágil e recente democracia.

Mas, relendo o livro pela terceira vez, sem contar revisões que ajudei a fazer, nunca suficientes, diga-se, vi que existe uma linha comum nos escritos de Álvaro Pereira, Cremilda Medina, Eliane Cantanhêde, Helena Chagas, Jorge Duarte, Juliano Basile, Luiz Martins, Mauro Santayana, Rudolfo Lago, Tereza Cruvinel, Vivaldo Sousa e Wladimir Gramacho, além deste que vos escreve.

Todos os autores, sem exceção, e de forma direta ou indireta, fazem a defesa de um jornalismo político independente, autônomo e que aprofunde sua capacidade de investigação, lançando mão de técnicas jornalísticas, mas, principalmente, trabalhando de olho em duas premissas: conhecimento da complexidade política, histórica e cultural da sociedade; e compromisso ético com a apuração e publicação das notícias. Não existe jornalismo político superficial, ou se existe não merece receber esse nome.

Eu resumiria o que se escreveu nas 306 páginas do livro naquilo que chamo de tríptico do bom jornalismo moderno, e que se encaixa perfeitamente na reportagem política. O primeiro diz que para que a notícia seja boa, ela precisa ser bem apurada, do ponto de vista técnico. Números corretos, informações checadas e re-checadas e fontes seguras, entre outros. Deve-se também evitar a pressa na publicação de fatos que põem em risco a reputação de pessoas e instituições. Notícia mal apurada não é furo, é notícia mal apurada. Ponto final.

Garantida a qualidade técnica da notícia, chegamos ao segundo compromisso do bom jornalismo. Não basta uma matéria ser bem apurada e correta, ela precisa ter um compromisso ético com a sociedade. O jornalista deve saber as implicações de seu trabalho na disputa que ocorre na arena política, evitando que o mesmo seja usado apenas para atacar um adversário político X ou Y, sem contudo ajudar no esclarecimento da verdade, ou pelo menos na construção de uma narrativa que mais se aproxime da realidade dos fatos.

Além dos compromissos com a técnica e a ética, o jornalismo político deve ter também um compromisso estético com o que produz. E quando se fala em estética não me refiro apenas à beleza do texto ou das imagens produzidas. O compromisso estético é algo mais profundo. O ser humano não é apenas razão. O jornalista deve dar emoção narrativa ao que produz, para que o seu trabalho alcance outros extratos da condição humana.

Mas emoção não deve se confundir com sensação. Jornalismo sensacionalista – que não existe apenas na reportagem policial – é o contrário da estética. O que tem “boniteza”, para usar uma expressão cara ao educador Paulo Freire, tem também compromisso com a alegria e a felicidade das pessoas. Jornalismo de sensações, que humilha pessoas inocentes ou pré-julga supostos envolvidos em determinados tipos de crimes, não é bonito, nem aqui nem na China. Portanto, o bom jornalismo pode e deve emocionar, desde que não se afaste dos dois outros compromissos: com a técnica e a ética.

Acredito que hoje, enquanto escrevo esse texto sobre o livro que ajudei a organizar, a grande imprensa esteja falhando nas três frentes. Não toda, claro. Existem muitos jornalistas que procuram fazer seu trabalho diário com zelo e compromisso com a verdade e a qualidade. Mas é inegável que alguns dos veículos de comunicação mais influentes do Brasil, e que comandam o chamado “estado maior da grande imprensa”, estão apostando num tipo de jornalismo sensacionalista, tecnicamente mal apurado (as redes sociais amplificam os erros diários, e graves, que são cometidos na apuração), eticamente questionável e esteticamente sofrível.

Grupos acadêmicos ou independentes que vigiam a produção jornalística que vem sendo feita nos últimos dois anos atestam para uma clara tomada de posição dos chamados “jornalões”, que servem como termômetro do humor da mídia. Os resultados mostram que a imprensa trata de forma desigual as denúncias que surgem sobre os atores políticos. Não é apenas coincidência que uma postura beligerante da mídia em relação ao governo do PT tenha relação com a queda dos índices de aprovação do governo Dilma.

Não quero dizer com isso que tal queda quase contínua do apoio ao governo nos últimos três anos tenha a ver exclusivamente com o tipo de cobertura jornalística da grande imprensa. O próprio governo tem uma parcela de culpa, com erros na condução da política econômica e na relação com os partidos da base. Mas a imprensa, como uma espécie de quarto poder, não

pode ameaçar o frágil equilíbrio entre os poderes, e sabemos que isso é possível, quando ela se alia a setores da oposição para atacar o Executivo com uma cobertura que vem sendo marcada pela má qualidade, com momentos onde a informação confunde-se com o panfleto político, e pelo mal disfarçado interesse na saída da presidente reeleita em outubro de 2014.

Ao contrário dos três poderes republicanos, que possuem mecanismos internos e externos de ajuste e controle, o quarto poder não possui nada, hoje, que o impeça de abusar de suas prerrogativas naturais, contidas na Constituição Federal. Nascida para vigiar o Estado e servir de porta-voz da sociedade, a grande imprensa, no Brasil, volta a ser neste início de século o que foi na República Velha: uma espécie de poder auxiliar da classe dominante. E nesse processo, não mede esforços para reduzir o poder de influência da classe política, devolvendo aos donos do dinheiro, das terras e dos conglomerados de comunicação o controle das rédeas do país.

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